quarta-feira, agosto 06, 2008

Onde o Sol não entra...


Há um sítio, no centro da cidade, onde o Sol não entra.
Depois da sombra fresca do jardim do Principe Real, em frente do reflexo quente nas pedras da Faculdade de Ciências, há um buraco escuro onde nem luz, nem cor, nem vida existe.
Por fora uma loja simples, grades nas janelas e porta. Quem passe pela nesga aberta para a rua pode ver o revestimento de madeira, prateleiras antigas que cobrem as paredes, mas é ao nariz que se deve prestar atenção. O incauto viajante que lá entre descobre um mundo de bruma onde apenas o pó pode viver.
As vitrines devastadas são sinal que a loja foi assaltada pela calada, puro engano, faz parte do antro de terror. O pó suspenso, próprio dos vestígios de uma demolição, é aqui o único ar que se respira, falta o fôlego, falta a força, enquanto se procura uma saída, de relance os esgares de bonecas mortas, entulho e quilos de papel espalhado pelo chão criam um ambiente fantasmagórico. O horror apodera-se de nós, fugir, correr, algo que nos solte, apenas um forte sentido de missão pode ajudar uma pessoa a ficar de pé, no meu caso, 39 milhões de euros. Aquela é a única casa nas redondezas que está aberta na primeira quinzena de agosto e onde posso fazer o euromilhões.
Com requintes de malvadez, o carrasco, dono da loja, alonga-se até nos atender, olhando demoradamente para um pedaço de papel que foi buscar algures. Sem uma palavra faz o serviço e recolhe o dinheiro sem sequer olhar para mim.
Saio para a rua. Respiro longamente antes de continuar caminho.

Mesmo agora, seguro e salvo, o cheiro não me sai do nariz e se fechar os olhos, aquelas imagens horríficas atormentam-me.

Cuidado turistas incautos, tende atenção, não é um lugar para os fracos de espírito.

2 comentários:

polegar disse...

aaaaah... tens de me levar lá, adorava conhecer o senhor Sombra :)

MPR disse...

É só dizer...