quinta-feira, maio 31, 2007

Snow Cake

Só para ver Alan Rickman, com o seu ar muito british e olhar de enfado perante o mundo, já vale a pena comprar bilhete para quase qualquer filme. Se juntarmos Sigourney Weaver e Carrie-Anne Moss numa história de culpa e redenção filmada num tom intimista então a margem de erro é diminuta. Snow Cake é um pequeno filme inglês distribuido pela mesma companhia que produziu Shortbus, e realizado por Marc Evans, que pouco mais tinha feito até ao momento que thrillers de pouco interesse.

Um homem solitário de meia idade viaja de carro pelo Canadá. Aceita dar boleia a uma rapariga extravagante. Os dois têm um acidente de viação e ela morre. Sentindo-se culpado pelo sucedido, ele resolve procurar a mãe da rapariga para lhe dar as condolências e pedir desculpa, apenas para descobrir que esta é autista. Acaba por criar uma relação com ela e com uma vizinha, descobrindo um novo fôlego para a sua vida.

Snow Cake é um filme divertido, terno, não particularmente inteligente ou surpreendente, mas afectivo, emocinal e bastante simples. Vive do trabalho dos seus três actores principais e é estranhamente aí que tem o seu maior defeito. Sigourney Weaver, durante grande parte do filme, parece uma actriz a fazer de autista e não uma autista. Parece estar a esforçar-se demasiado e isso nota-se, criando um ligeiro distanciamento.

Seja como for é uma fita simpática que nos deixa com uma lágrima no canto do olho.

quarta-feira, maio 30, 2007

De rastos


Estamos a 6 dias de apresentar a público o nosso trabalho de fim de curso "Fúria". Segunda-feira fizemos a primeira adaptação ao palco, ao espaço onde a vamos representar. Resultado? Após as normais duas horas de trabalho ficámos outras duas no Chapitô. Cheguei a casa quase às 23h30 da noite, sem jantar, em ensaios desde as 19h. Isto após um dia normal de trabalho. Fiquei absolutamente de rastos. Fisicamente já se esperava, o meu dia foi de 14 horas, e 4 horas de ensaios são o suficiente para deitar abaixo qualquer um. Mas um dos grandes problemas foi o desgaste emocional. Fizemos a peça 3 vezes de uma ponta à outra. Completa. É curta, e o tempo em cena de cada um (somos 28) é reduzido como é óbvio. Mas, em cada momento, em cada acção, procuro ter um envolvimento emocional (por mais disperso que o texto seja), criar uma ligação, estar realmente em cena. É impressionante como isso desgasta uma pessoa. Em qualquer outra aula nunca fizemos mais que um ensaio completo, sendo o resto do tempo passado com exercícios de relaxamento, físicos, EMDR ou o que seja. Desta vez foram 3. A carga psicológica que envolve, mesmo neste nível mais básico, mais simples, é enorme. Confesso que quando ouvia actores a dizer que durante os ensaios ficavam extenuados, alterados, esgotados, nunca percebi bem porquê. Afinal, o trabalho normal de ensaios não é as 8 horas diárias de qualquer trabalhador. Estou a descobrir que não pode. Se fizermos o que é suposto, se encararmos cada ensaio com a entrega devida, não pode. É demasiado para o corpo e para a alma.

terça-feira, maio 29, 2007

Música da Semana

Jorge Palma já cá esteve, mas o regresso de bons cantores é sempre importante. Na semana de 28 de Maio, neste dia que tirei para passear, na verdade não podia ter aqui outra música.

No tempo dos assassinos... Acorda Menina Linda.

Psst... menina... esta é para ti...

segunda-feira, maio 28, 2007

pssst... pssst...

menina...

parabéns...

Carmina Burana

O Castelo de S. Jorge é um espaço sub-aproveitado na cidade de Lisboa. A sua localização e envolvência natural fazem deste um local por excelência para os mais diversos eventos. No sábado passado foi lá levado a palco Carmina Burana de Carl Orff.
O tempo ameaçava, mas a chuva manteve-se longe, sendo o único problema o frio. A entrada do coro, encenada como a entrada de guerreiros medievais deu o tom para toda a noite. Um trabalho de luz interessante, com o castelo como cenário, apoiava visualmente a cantata, que foi sempre acompanhada por um grupo de artistas de novo circo, com uma prestação bastante interessante em termos de dança e, principalmente ginástica. O fogo de artifício na ponte 25 de Abril serviu de distração momentânea da actuação, mas não durou mais de 5 minutos. Musicalmente sem falhas, com um sistema de som impecável espalhado pelo recinto, a música em latim era acompanhada por tradução simultânea em televisores da Samsung, o que possibilitava a compreensão daquilo que era cantado. Especial destaque para a solista, Raquel Alão, com um desempenho e uma voz dignos de registo.
É uma pena que o espectáculo só tenha estado em palco durante um dia. Espero que o castelo seja cada vez mais um local para este tipo de eventos.

sexta-feira, maio 25, 2007

A não perder


É muito bem...

... tão bem, tão bem, tão distinta, tão high-society, que proibiu o filho que está na primária de ir a uma festa de anos de uma colega porque ela "chama-se Sónia, o meu filho não ia a uma festa de alguém chamado... Sónia".
Tão bem, tão bem, tão distinta que não deixa o filho ser amigo de um miudo amoroso, porque o miudo é mulato.
Tão bem, tão bem, que disse à educadora para por o filho numa turma "onde haja muita gente com apelidos de qualquer coisa ou e qualquer coisa".
Tão bem, tão bem, que devia levar com uma lambada nas trombas.
Agora digam-me que esta mulher deve ter a custódia do filho...

ah pois é!

"Eh pá, eu já lhes disse, deviam fazer só numa cor, assim não havia duas!"

Baixa, 9 da manhã

quinta-feira, maio 24, 2007

E chove?

Hoje começa a chuva. Até Domingo não se pode esperar outra coisa senão gotas irritantes de água por todo o lado, sendo que o apogeu está previsto para amanhã. Daqui só se pode tirar uma conclusão. Deus não gosta de ler. Pois que se resolve brindar a abertura da Feira do Livro com esta recepção, só pode ter algum problema grave com a leitura. Ou isso ou não gosta de livros a preço de desconto. Outra hipótese é que se irrite com a estreia da terceira instalação dos Piratas das Caraíbas, mas não percebo bem porquê. Se ele não quiser não veja. A não ser que... a não ser que esta história de ser omnipresente o obrigue a ver. Deve ser isso, Deus é obrigado a ver e não quer.
Será que o verdadeiro motivo é por saber que as carreiras na função pública ficaram congeladas durante (ainda) mais tempo, até 2009? Ou é reacção à candidatura de Carmona Rodrigues à CML (sete candidatos de uma só vez, grande pândega!)?
Uma coisa é certa, Deus não está feliz. Agora percebo quando Telmo Correia disse à TSF que queria que o PP aumentasse após as eleições que em número de vereadores quer em devotos (ele pode ter dito de votos, a dúvida mantém-se). Mais devotos sempre dão uma ajudinha a fazer lobby lá em cima...

quarta-feira, maio 23, 2007

Zodiac

Nos anos 70 um assassino que se auto-intitulava Zodiac, cometeu 4 homicídios e disse ser responsável por muitos mais. Numa época em que os serial-killer abundavam, tornados quase moda pelos media (vide Ted Bundy, Charles Mason, Dave Berkowitz aka Son of Sam), o que o Zodiac teve de especial foi a manipulação que fez dessa comunicação social, com séries de diversas cartas e códigos enviados a jornais, e o facto de nunca ter sido apanhado.

David Fincher realiza este filme baseado num livro escrito por um cartoonista que investigou o caso. Zodiac não é um filme sobre um homicida, é um filme sobre a obsessão em torno desse homicida. Este é um dos três temas centrais que atravessão a obra de Fincher, obsessão, familia, e a ameaça que se esconde nas sombras, pronta para nos apanhar. Desde Alien3, passando por Se7en, O Jogo, Clube de Combate e Sala de Pânico, todas as fitas crescem em torno destes pilares. Zodiac não escapa à linha do realizador, que para além de mais é um habilidoso story-teller, perito na arte de criar tensão, na utilização do que não se vê, da sombra, do som, numa atmosfera de medo, mesmo quando a ameaça não é evidente. O Mal, no entanto, aqui vai além de uma ameça externa, o Mal consome quem com ele se cruza, destruindo vidas, familias, até a própria sanidade. A obsessão de que falava é algo que destroi os personagens por dentro. Uma vez mais é um regresso a uma temática recorrente em Fincher, a ameaça que vem de nós mesmos foi amplamente explorada em Alien3, Se7en, O Jogo e, expoente máximo, Clube de Combate.

Zodiac não é o melhor filme de Fincher, mas é mais um passo na confirmação de um autor, que ainda não voltou a atingir os niveis de Se7en, mas que se afirma cada vez mais como alguém a ser seguido com muita atenção.

terça-feira, maio 22, 2007

Melhor?

Ontem no final da aula o Bruno fez algumas criticas e correcções a determinados aspectos do exercicio que vamos apresentar daqui a duas semanas. Quando acabou, sem ter dito nada acerca de um quadro específico, um colega meu perguntou se nesse momento já estavamos bem. Respondeu o Bruno: er... estão melhores.
Acho que, na verdade, é aquilo a que podemos aspirar. Estar melhor do que no dia anterior, creio que ninguem tem grandes ilusões quanto ao que vai ser visto, mas se de dia para dia conseguirmos melhorar, então a apresentação final já tem algum mérito.

Música da Semana

Se filho de peixe sabe nadar, então a filha de Elis Regina só podia ser uma grande cantora. Maria Rita estreou-se com um album homónimo em 2003. Voz clara, melodia que fica no ouvido e estilo dançante, foi uma estreia prometedora de uma das novas caras da música brasileira.
Aqui fica, Cara Valente.

segunda-feira, maio 21, 2007

SG Live!

Ontem foi o último da série de cinco espectáculos que Sérgio Godinho fez no Maria Matos, na apresentação do seu último trabalho Ligação Directa. Fantástico! Um misto perfeito de novos temas e revisitas a velhos clássicos, com uma energia, uma força, um encadeamento incrivel. Luz, cor, som, tudo funciona na perfeição, como um relógio, mas com uma fluidez criativa imparável. Quanto mais o tempo passa, mais ele refina. Uma grande actuação aplaudida em pé durante imenso tempo, de onde saí cansado, suado, feliz e gingão... com um brilhozinho nos olhos...

sexta-feira, maio 18, 2007

Breach

Em 2001 foi preso o agente do FBI Robert Hanssen, acusado de vender segredos de Estado aos soviéticos ao longo de mais de 20 anos, sendo o responsável pela maior quebra de segurança da História dos EUA. Pouco mais foi que uma punição, visto que estava a poucos dias de se retirar, e incapaz de continuar a vender seja o que for. No entanto, devido à extensão enorme dos danos que causou, esta foi uma prisão de extrema importância.
Quebra de Confiança é o filme que conta os dois meses que precederam a detenção. Realizado por Billy Ray, que tinha anteriormente feito Shattered Glass e escrito o thriller com Jodie Foster Flightplan - Pânico a Bordo.
Curiosamente não é o típico thriller, não se baseia em conspirações, tiroteios, nem grandes cenas de acção, é antes um estudo sobre a relação que se cria entre um jovem iniciado no FBI, que tem como missão servir e espiar Hanssen e esse agente, um homem maduro, muito inteligente, profundamente religioso, controlador, mas ao mesmo tempo perturbado. A presa acaba por fascinar o seu caçador, sem saber que está a ser caçada. É um filme de actores, sem grandes vedetas. Chris Cooper, conhecido por papeis secundários (venceu o Óscar nessa categoria em 2003 por Adaptation) faz um Hanssen tenso, mas carregado de nuances, de entoações, de pequenas subtilezas. Já Ryan Phillippe, sempre com a carinha bonita de rapazote, aguenta-se bem, sem brilhar, como tem feito habitualmente.

Hábil, bem filmado, inteligente, merece a visita por quem seja fã do género.

quinta-feira, maio 17, 2007

God Bless the Wood!

Ed Wood Jr. foi considerado o pior realizador de todos os tempos. Durante os anos 50 escreveu, produziu, realizou e foi actor em diversos filmes de terror, ficção cientifica e westerns de low-budget. A sua carreira decaíu após aquele que o próprio considerou a sua obra prima Plan 9 From Outer Space, que coincidiu com a morte de Bela Lugosi - actor famoso pelo seu papel de Drácula, e que, velho, bêbado e acabado, entrou em diversos filmes de Wood.
Foi com Ed Wood, o filme de Tim Burton, que este bizarro autor entrou para a cultura popular, tendo um seguimento de culto devido às fitas absolutamente ridículas que fez.
Travesti, disforme, acabou a vida a realizar filmes porno, na falência e viciado em drogas.
O que muita gente não sabe é que na verdade Ed Wood... é Deus. Ou quase. Existe uma Igreja (real, com mais de 3000 pessoas baptizadas) que seguem os ensinamentos deixados por este homem, chamam-lhe o Woodismo.
Para os curiosos, podem visitar aqui.

Segunda e Quarta

Os ensaios continuam. Sem grande novidade. Com o passar do tempo o Bruno tem ficado mais exigente e mais impaciente, o que levou na segunda a uma reacção um pouco mais a peito de um dos alunos. Mas nada que não se ultrapasse. Ontem, para além de fazermos a primeira passagem completa de uma ponta à outra (qualquer coisa como 50 minutos), insistimos bastante na cena final. As minha dúvidas mantêm-se, mas é como diz um amigo meu, não podemos encarar aquilo como uma peça, apenas como um exercício de final de ano de um grupo amador de pessoas que se encontra duas vezes por semana.

quarta-feira, maio 16, 2007

Shortbus

Shortbus é o novo filme polémico de John Cameron Mitchell, autor de Hedgwig. Quando parti para esta sessão ia de pé atrás. Tinha ouvido bastante sobre a controvérsia que rodeava a fita, ligado às cenas de sexo explícito que tem. A quebra da barreira da pornografia para o cinema dito "normal" não é novidade, mas a verdade é que os exemplos mais recentes não oferecem muito mais do que o simples "shock value". Pensei que este fosse outro desses casos, em que o sexo é usado de forma quase gratuíta. Shortbus no entanto é muito mais que isso.
Um grupo de pessoas, das mais diversas experiências e inclinações sexuais, tentam encontrar um rumo e sentido para as suas vidas, encontrando refugio numa casa chamada Shortbus, um local onde as regras são suprimidas e a busca de liberdade é absoluta. Desde a fantástica cena inicial que as cenas de sexo são progressivamente menos ousadas, menos "in your face", a partir do momento em que começamos a descobrir cada personagem e começamos a embrenharmo-nos nas suas vidas, nas suas dúvidas e problemas. Surpreendentemente, no meio do drama envolvente, Mitchell consegue encontrar o humor necessário, consegue fazer-nos sorrir perante a adversidade, o que é indispensável para conseguirmos a ligação aqueles personagens, sem os julgar. Todos eles, sem exepção, podem ser considerados desviantes sociais, sexuais e, no entanto, não nos consiguimos deixar de fascinar por este grupo. É um filme terno. Sem dúvida terno, de relações humanas, de emotividade, de lágrimas e sorrisos, de corpos, de cores e cheiros, de amor, de sexo. O sexo é tão parte da história como qualquer outra coisa, é uma parte integrante, intrínseca, necessária. Desengane-se quem vai à procura de excitação sexual. Apesar de explícito, é o inverso da pornografia.
Shortbus é um dos filmes a não perder. Cru, directo, real, mas ao mesmo tempo, enfabulado, tocante e intensamente optimista.

Confesso... há coisas em que, realmente, não passo de um puto crescido!

terça-feira, maio 15, 2007

O Tartufo


Está na Comuna, na sala nova, uma comédia de Moliére. O Tartufo segue as desventuras de uma familia que acolheu um falso beato, Tartufo, que conseguiu seduzir o dono da casa e fazer-se passar quase por santo a seus olhos, enquanto vai engordando e enriquecendo à custa dos favores alheios. Este texto poético carregado de humor, é uma critica social divertida, de uma velocidade vertiginosa, num dedilhado que dá gosto presenciar. Carlos Paulo é o insidioso Tartufo, num papel pejado de ironia, liderando um elenco que (salvo raras expeções) está à altura da empreitada.
Mais uma encenação de João Mota, directa, eficaz, que usa três frentes do palco (como é hábito naquela sala), dando uma sensação de maior realismo, e colocando o espectador dentro da acção.
Uma boa opção para começar uma noite de fim-de-semana.

O Tartufo
de: Moliére
Encenação João Mota
Interpretação: Carlos Paulo, Álvaro Correia, João Tempera, Jorge Andrade, Ana Lúcia Palminha, Miguel Sermão, Lucinda Loureiro, Sara Cipriano, Hugo Franco, Judite Dias e Alexandre Lopes

Quarta a Sábado - 21h30; Domingo - 16h
Preço: 10€ (existem diversos descontos, perguntar na bilheteira)

Comuna Teatro de Pesquisa
Praça de Espanha
1070-024 Lisboa
Telefone: 217 221 770/6
Fax: 217 221 771

Música da Semana

Lou Rhodes é mais conhecida por ser a voz do grupo britânico Lamb. Com um som variado, nem sempre perfeito, esta banda de trip-hop tem um vasto leque de influências e músicas com sonoridades diversas. Gabriel é o seu single mais conhecido em Portugal. Em 2004 a banda acabou e Lou Rhodes lançou-se num projecto a solo, que não difere significativamente do caminho que já seguia.
Para esta semana, Beloved One.

segunda-feira, maio 14, 2007

O Mistério da Estrada de Sintra

Em 1870 Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão começaram um folhetim no Diário de Notícias, sob a forma de cartas enviadas à redacção, em que relatavam uma trama envolvendo traição, ciúme, morte e a alta sociedade lisboeta. A princípio houve quem achasse que as cartas eram reais, havendo inclusivé investigação policial ao sucedido, mas no fim do Verão já Lisboa sabia que se tratava apenas de um folhetim. Seria?
O Mistério da Estrada de Sintra é um filme habilmente construido, que relata o a conhecida obra, mas também a sua escrita, saltando entre os dois mundos, pondo a hipótese da ficção ter um fundo de verdade, que os próprios escritores desconheciam.
Este é um filme invulgar no panorama nacional. Com uma reconstrução de época irrepreensivel, habilmente disfarçando as suas próprias limitações, O Mistério da Estrada de Sintra transpira competência em todos os departamentos técnicos. Fotografia irrepreensivel, uso inteligente do som, cenários e figurinos impecáveis. Tal competência, não sendo o cerne de um filme, é um factor fundamental para o conseguirmos apreciar, e extende-se à dobragem de Bruna di Tulio, brasileira de nascença, que teve a voz emprestada (grande trabalho) por Carla Chambel. Tudo funciona como deve, os momentos de tensão, de erotismo, os diálogos e o trabalho de actores - em grande Ivo Canelas e António Cerdeira - que não deve nada a qualquer fita em cartaz.

Cinema comercial no seu melhor, um estandarte na luta contra a imagem típica da cinematografia lusa, como algo feito a olhar para o próprio umbigo, pequenos reinos vedados ao exterior onde os realizadores depositam as suas frustrações intelectuais.
Mais prova que o cinema português feito a pensar no público, não se limita a padres imberbes com o cio ou a filmes da treta.

Ensaio na quarta

Ensaio geral. Alguma tensão, dois ou três berros, e muitas, muitas arestas para limar. Hoje continua...

sexta-feira, maio 11, 2007

Inland Empire

Se desenharmos uma linha deste Eraserhead, passando por Blue Velvet, Wild at Heart, Lost Highway e Mulholland Dr., vemos que este Inland Empire é a conclusão de um percurso que David Lynch tem vindo a traçar desde o seu primeiro filme. Que conclusão é essa? O desaparecimento da narrativa convencional e a submersão num mundo surreal, num pesadelo abstracto onde tempo, espaço e personagem deixam de ter sentido. Todas as artes deram já este passo, da pintura, à escultura, à dança, mas o cinema continua a manter-se num rumo descritivo, narrativo, sendo as variações feitas dentro do tempo e forma dessa narração, existem questões estéticas, artísticas, mas sempre dentro da permissa que existe uma história para contar. Pois em Inland Empire não existe uma história, existe uma trip visual, um delírio fantasmagórico que assombra a mente de Lynch. Para o salto final para o lado de lá, Lynch escolheu filmar em video, o que é curioso, pois tem sido este meio o grande percurssor das experiências não narrativas.

O problema quando se desconstroi algo desta forma é que se não tem pontos de comparação e, como tal, sentimo-nos perdidos ao olhar para o ecrã. São emoções cruas, são visões, sonhos. Existe uma ténue linha condutora - uma actriz que, ao fazer um filme, perde a noção entre a sua vida e a vida do seu personagem, entre passado, presente e futuro, entre verdade e ficção - mas essa linha é demasiado esbatida para que nos suporte. Resta-nos aproveitar a viagem e absorvê-la o melhor possivel, deixando as intrepretações para depois.
Esta escolha dá um ar de tanto-faz. O filme acaba ali. Podia ter acabado antes? Sim. Se em vez daquela cena fosse outro era igual? Não. É o mesmo que dizer que num quadro abstracto se podia ter feito riscos e traços de outra cor, noutra direcção e que valia o mesmo. Não valia. Podia-se fazer, mas era outro quadro. Aliás o que ideia é essa de poder? Numa narrativa convencional também se pode mudar o que se quiser, imaginar o que se quiser, escrever o que se quiser, apenas de forma mais formatada e com regras facilmente reconheciveis.

Se gostei do filme? Sinceramente não sei. Gostei da experiência de o ter visto. Todo o cinema deve ser assim? Não, mas há lugar para experiências limite. Quanto mais não seja porque as imagens tenebrosas que Lynch nos mostra estão carregadas de sentido, de terror, de dúvida e de sensações quase físicas.
Abram a mente e tentem, sem reservas nem expectativas. É sem dúvida uma experiência única.

quinta-feira, maio 10, 2007

Scenes of a Sexual Nature


Cenas de Natureza Sexual é daqueles filmes que passam completamente despercebidos, não tem nomes sonantes (à parte de Ewan McGregor), não é realizado por ninguém de monta, não vem de um grande estúdio (é uma produção independente inglesa), não foi um sucesso, nem especialmente bem recebido pela crítica. A sua história é de tal maneira dispersa e casual que não será motivo de entusiasmo para ninguém. É por isso que é das pérolas mais inesperadas de todos os títulos que estão em cartaz.
Um grupo desconexo de pessoas vive pequenos episódios num dia de Verão no enorme parque de Hampstead Heath em Londres. É apenas isto. Sem efeitos especiais, nem sequer grande fotografia, sem meios, nem cenários. Apenas isto. No entanto é escrito com um humor tal que não conseguimos deixar de ser seduzidos, tem um espírito leve mas inteligente e terrivelmente divertido. É surpreendente. As situações, relação e diálogos apanham-nos desprevenidos, enredando-nos num novelo que tem tanto de inesperado como de simples. Depois há os actores. Cada um com uma pequena ponta, pequenos textos e cenas, feitos com aquele ar de naturalidade. Todos eles perfeitos, tão perfeitos que até parece que não representam, é tudo tão fácil, tão fluido, que nos esquecemos que estão ali actores, belissimos actores. Sem vedetismo, sem protagonismo, ao serviço do personagem e da história, por mais pequena ou ridícula que possa parecer.
É daqueles filmes que passa por nós como uma brisa de verão. Sem excessos, sem pretensiosismos, que nos deixa com um sorriso na cara e um aroma de relva.

quarta-feira, maio 09, 2007

Acertos...

Segunda feira serviu apenas para acertos. Olhámos com mais atenção para a cena final e começámos a coreografá-la.
O Bruno não gosta de mim. Em vez de estar com uma rapariga gira (ou mesmo com uma rapariga feia) vou estar com um marmanjo de um metro e oitenta às costas. Literalmente! É o preço da arte!!! :D

Bridge to Terabithia

Baseado num conhecido livro para crianças, O Segredo de Terabitia conta a história de dois pré-adolescentes inadaptados que imaginam um mundo de fantasia só seu, para onde se escapam e criam uma relação profunda.
Primeira obra como realizador do animador, argumentista e produtor Gabor Csupo, este é um filme surpreendente. Faz um uso contido dos efeitos especiais, surpotando-se mais na química entre os dois miudos Josh Hutcherson, que tinha aparecido antes em RV com Robin Williams, e AnnaSophia Robb, num papel antagónico aquele que fez no delírio de Tim Burton Charlie e a Fábrica de Chocolate. É em torno da timidez e talento do rapaz e da alegria de viver e fantasia da rapariga, que todo o filme gira, e é esta ligação aos seus personagens principais que nos permite uma experiência emocional sentida. Fundamentalmente é uma fita que louva a amizade, a imaginação e os limites a que ela nos permite chegar. Sem brilhantismo, mas sem pretensões de ser mais do que aquilo que é, um filme familiar (sem o sentido pejorativo que normalmente tem este termo), divertido, tocante.
Um pequeno aviso à navegação, preparem os lenços, pois as lágrimas arriscam-se a correr soltas.

terça-feira, maio 08, 2007

Assisti a esta conversa e não resisti em transcrevê-la:

Neta: Então avó, que série andas tu a ver á noite?
Avó: Roma. (rindo com ar malandro) tem tanta queca!
Neta (a rir): a sério? Eu agora também a estou a ver.
Avó: Mas não é por isso que eu vejo. Gosto de coisas históricas. Passa é muito tarde. Mas o episódio de ontem não teve nada disso.
Neta: Mas eu estou a ver em DVD. Comecei ontem. Só vi o primeiro episódio.
Avó: Bem, então o segundo! Ui, ui!

Música da Semana

Marlango é uma banda espanhola, de Madrid, que tem feito algum sucesso desde 2004.
A moda de cantar em inglês não é inventada por nós, e este grupo faz parte dessa tendência. Com um som que faz lembrar uma mistura de jazz com os nossos The Gift, lançaram já dois albúns. A música desta semana é do seu segundo trabalho Automatic Imperfection, um disco imperfeito como diz o título, mas com alguns temas que deixam promessa.
Senhoras e senhores, a voz de Leonor Watling: Shake the Moon.

segunda-feira, maio 07, 2007

Dúvida


O meu regresso a uma sala de teatro era há já muito tempo devido. Das várias peças em cena escolhi Dúvida, de John Patrick Shanley, dramaturgo americano, que com esta peça ganhou um Tony Award e o Prémio Pullitzer. E o texto é realmente soberbo.
Um padre é acusado pela madre superiora de um colégio católico de abusar sexualmente de um rapaz de 12 anos, que é seu aluno.
A peça constroi-se num novelo complexo de acusações e suspeições, um confronto entre dois personagens densos, muito bem delineados, sendo o público conduzido ora para um lado, ora para o outro, na busca da verdade, mas sabendo que, provavelmente, a certeza é algo que nunca vislumbrará. Culpa e inocência chocam, mas mais do que isso, é a colisão de duas formas antagónicas de olhar o mundo, numa altura (logo após a morte de JFK) em que a América duvida de tudo, inclusivé de si própria.
Dúvida é então uma peça genial? Não. Longe disso. O problema não está no texto, nem na cenografia (apesar da fonte ser um toque de gosto duvidoso). O problema está na equipa de quatro actores. Se Isabel Abreu é insipiente e Lucília Raimundo mal aparece, de Diogo Infante e Eunice Muñoz esperava-se muito mais.
Infante devia ter ido mais vezes à missa, ouvir como fala um padre. Não convence nos sermões que profere e mantém um registo neutro no resto do tempo. É capaz de muito mais e melhor - quem o viu a fazer Becket no Trindade...
Eunice Muñoz é, sem dúvida, uma das figuras máximas do nosso teatro. Mas a idade pesa, esquece-se do texto, enrola, e usa a sua vasta experiência para colmatar as falhas, bem como a falta de emoção genuína. É versátil nas artimanhas, mas não convence, e é já a segunda vez em muito pouco tempo que a vejo a passear por uma peça, confiando que o seu talento inato chega para vender o papel. Não chega. Está a quilómetros de uma Mãe Coragem e os Seus Filhos que me apaixonou quando era ainda uma criança.
A reacção do público foi elucidativa. Mal a peça acabou levantou-se num coro de aplausos que durou um minuto. Ainda as luzes da sala não estavam totalmente acessas, mal os actores sairam de palco, pararam de aplaudir. Como se fossem obrigados a uma ovação em pé porque "a Eunice é uma senhora e a peça é muito boa, já tinha lido", mas depois de cumprida a obrigação, não se sentissem motivados para realmente acolher quem estava em palco.
É pena...


Dúvida

Encenação Ana Luísa Guimarães
Tradução: Felipa Mourato, Ana Luísa Guimarães
Interpretação: Eunice Muñoz, Diogo Infante, Isabel Abreu e Lucília Raimundo

Até 10 de Maio de 2007
21h30
Preço: 15€ (existem diversos descontos, perguntar na bilheteira)
Teatro Maria Matos
Avenida Frei Miguel Contreiras,
52
1700-213 Lisboa
Telefone: 218 438 801
Fax: 218 438 809
www.teatromariamatos.egeac.pt

sexta-feira, maio 04, 2007

Sunshine

Missão Solar é o muito controverso novo filme de Danny Boyle, autor de Trainspotting, mas também de pequenas desgraças como A Praia ou 28 Dias Depois.

Daqui a 50 anos a Terra está congelada num Inverno Solar. A nossa estrela está a morrer e uma nave espacial é enviada para o Sol, transportando a bordo uma bomba nuclear, na tentativa de o reanimar.

Sunshine não é um filme de ficção científica. É um estudo sobre o comportamento humano quando confrontado com circunstâncias extraordinárias e isolamento total. É um filme de personagens e vive em torno da sua evolução, as suas fobias, ódios e fé.
Sem se basear nos efeitos especiais é, no entanto, uma viagem visual, uma epopeia através das cores, sons e elementos, Terra, Água, Fogo e Ar, que se insinua no espectador, envolvendo-nos com a sua beleza, mas também com a angústia de quem sabe dirigir-se para uma força que não compreende e que o ultrapassa completamente, no fundo é o reencontro com Deus.
O problema, é que apesar de tudo, o filme se fundamenta numa premissa pouco credível, uma nave espacial que voa literalmente até ao Sol, e a desde o primeiro minuto vai testando a nossa capacidade de acreditar. Os buracos de argumento, do ponto de vista científico, são mais que muitos, e somos confrontados com situações que são complicadas de engolir. Existe um termo em inglês chamado suspension of disbelief, é uma teoria segunda a qual o público está disposto a acreditar naquilo que lhe é mostrado, não analisando os erros factuais ou as limitações técnicas, quando assiste a uma obra. O problema é que existem limites para essa "suspensão de descrença" e quando o limite é ultrapassado, toda a obra se desmorona. Este filme está na fronteira. Para mim, esse limiar não foi cruzado, mas é fácil compreender se outras pessoas sintam que há coisas que pura e simplesmente são excessivas.

quinta-feira, maio 03, 2007

Começa hoje...

No Verão do ano passado fiquei a saber que iria acontecer em Maio algo sem precedentes em termos da indústria cinematográfica: a estreia no mesmo mês de três blockbusters, cada um com orçamentos milionários (texto aqui). São eles Homem-Aranha 3, Shrek the Third, e Pirates of the Caribean: At Worlds End. Três trilogias que, segundo os alguns analistas, não têm espaço para conviver ao mesmo tempo. Hoje começou a batalha com a estreia mundial do Homem-Aranha 3, orçamentado em 258 milhões de dólares, quase o dobro do custo do primeiro Homem-Aranha. Bateu desde já um record, abre em 4252 cinemas nos EUA, a maior estreia de sempre. Aceitam-se apostas sobre qual dos três gigantes vai cair.

Ensaios, ensaios, ensaios...

Está cada vez mais perto. Temos um mês para afinar o que falta, o que na verdade se resume a um punhado de aulas. E agora é a doer. O Bruno, apesar de ser apenas uma apresentação de final de curso, apesar de sermos todos amadores, leva este trabalho muito a peito. Como tal está gradualmente a ser mais exigente e menos paciente com os nossos erros. Por vezes reage demasiado impulsivamente, levanta a voz uns quantos decibeis acima do normal, saem-lhe um ou dois palvrões da boca. Mas honestamente não é coisa que me afecte. Sempre lidei bem com tensão deste tipo, principalmente ao saber que é uma coisa passageira, um largar vapor de momento.
Estamos no afinar de pormenores, a parte pior, entradas e saídas, marcações, tempos, entoações, figurinos e todos os mais pequenos aspectos possiveis. Este momento inviabiliza faltas, e ao que parece, quem não estiver é substituido. Não sei que tipo de tolerância vai ser dada, ou que faz um aluno que já não tenha papel, mas o cerco aperta.
Ainda não estou nervoso... ainda... a ver vamos com o passar do tempo.

quarta-feira, maio 02, 2007

Das Leben der Anderen

Quanto muita gente apostava na vitória de O Labirinto do Fauno para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, principalmente após os dois Óscares que este filme já tinha ganho, eis que o prémio acabou por ir para As Vidas dos Outros, primeira longa metragem deste jovem alemão, com um nome quase impronúnciável, Florian Henckel von Donnersmarck.

Em 1984, na RDA, a polícia política persegue e observa todos aqueles que considera serem inimigos do regime. Um dramaturgo, protegido pelo sistema, torna-se alvo de investigação quando a sua mulher, e actriz principal, é cobiçada pelo ministro da Cultura. É então posto sob escuta, na esperança de se encontrar algo que possa ser usado contra ele.
O centro do filme no entanto, é o do investigador responsável pelo caso, austero interrogador e capitão da Stasi, firme defensor do Socialismo e, como tal, um homem que sente reticências quando sente que as motivações por detrás da investigação são apenas pessoais.
É aqui que o filme ganha uma outra dimensão. Após um início pautado pela contenção, onde somos apresentados ao clima geral de suspeição e medo que existia na Alemanha de Leste, vemos a súbtil transformação do capitão, de um ser quase-mecânico, no seu lento processo em que se apaixona pela familia que investiga. É um estranho acordar, que o deixa numa situação de limbo, numa corda bamba entre a sua moral, a sua lealdade e os seus sentimentos pessoais.
A performance de Ulrich Mühe neste papel é quase perfeita, um under-acting contido, mas carregado de sentido, de energia, uns olhos perfurantes que pautam o desenvolvimento do personagem.

Uma pequena pérola, uma excelente estreia, a ver enquanto se aguenta em sala.

terça-feira, maio 01, 2007

Dia 1 de Maio é tradicionalmente um dia de celebração.
De festival de colheitas até ao motivo pelo qual hoje é feriado, o Dia do Trabalhador, no dia em que se conseguiu pela primeira vez a jornada de oito horas.
Pessoalmente também tenho muito que celebrar no dia primeiro deste mês, mas isso são outras conversas.

Não queria era deixar passar dois aniversários. De um amigo que faz 34 anos e de uma grande amiga que faz 35.
A grande amiga é a Comuna, Teatro de Pesquisa, que foi fundada a 1 de Maio de 1972, mantendo-se ainda hoje como um dos grandes pólos teatrais e culturais de Lisboa e do país.

A todos, parabéns.

Música da Semana

A 29 de Janeiro de 1983, meros quatro anos antes de morrer, José Afonso deu este concerto no Coliseu dos Recreios em Lisboa. Eu nunca o vi ao vivo. Mas a música e a memória perduram.
No dia do trabalhador, Zeca Afonso.