segunda-feira, novembro 17, 2008

Blindness

Muito se falou sobre a adaptação ao cinema daquele que é comummente considerado o melhor romance de Saramago, depois de uma tentativa mal sucedida de um outro, Jangada de Pedra.
É verdade que Ensaio Sobre a Cegueira não é um livro simples, a sua visão apocalíptica facilmente descambaria para um filme voyeurista e perverso, sendo que a fábula, moral como todas as fábulas o são, facilmente se perderia na confusão. Fernando Meirelles a tomar o elmo do projecto no entanto apaziguou-me as dúvidas, se havia alguém capaz de o fazer, seria ele. Talvez...
A comparação com o livro é sempre injusta, principalmente com uma obra desta envergadura, mas a verdade é que o livro existe e é a base de tudo o resto, Ensaio Sobre a Cegueira filme fica a milhas de Ensaio Sobre a Cegueira romance. Não será assim com todos? Talvez, com O Padrinho não foi, para dar um exemplo, mas não creio serem casos incomparáveis.
A questão é que as falhas do filme são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Para começar a adaptação erra na escolha daquilo que deve ser cortado, a directiva de reduzir esta história a apenas duas horas foi fatal, momentos fulcrais como o da igreja passam como notas de rodapé.
A busca de algum realismo também pesou contra o filme. Esta história não se passa nos dias de hoje, em Lisboa ou em São Paulo, fazer destes soldados rapazes de 22/23 anos como os que existem hoje, em vez de membros de um regime semi-totalitário, mesmo que disfarçado de democracia, transforma as suas acções em algo ridículo em vez de tenebroso. Aliás tudo o que se passa no sanatório é mal resolvido, a começar pelo personagem de Gael Garcia Bernal, um ser violento, maquiavélico e intimidador no livro, para um rapaz confuso no filme. Toda a história da comida e da arma é muito pouco convincente e tratada de uma forma atabalhoada. O próprio cego verdadeiro é inconsequente, longe do seu papel fulcral na história original.
De uma forma aparentemente contraditória com o seu historial como realizador, Meirelles reduz drasticamente a intensidade de todo o enredo, a banda sonora cómica dá apontamentos de humor onde eles nunca deviam existir, como a marcha das mulheres para a violação, toda a degradação humana, moral e física é minimizada perdendo muito do seu impacto.
O desenvolvimento de personagens é outro local onde o filme peca. À excepção da mulher do médico todos os cegos são razoavelmente indistintos, aparte claro das óbvias diferenças físicas.
Não é que este Ensaio Sobre a Cegueira seja um mau filme, não é, tem momentos bem conseguidos e uma estética interessante, as duas horas passam sem grande mossa, mas com o material de origem disponível exigia-se muito mais.
É difícil adaptar esta obra? Sim claro, mas veja-se o incrível trabalho que O Bando fez ao levar a palco a sua versão de O Ensaio Sobre a Cegueira e veja-se o que aqui está apresentado. As diferenças são colossais.

1 comentário:

Varandas disse...

Indecentemente, foste ver antes de mim - mas ainda não tive mesmo oportunidade. Apesar do meirelles, vou (já ia, antes da tua crítica, convencido) para o cinema com fraquíssimas expectativas. Porque o livro significou muito para mim e sei bem que nada disso vai acontecer com o filme... Mas até ao fim da semana espero ter a minha crítica no blog... Abraço!