segunda-feira, outubro 29, 2007

Falta

Ontem dei por mim a ouvir Bob Dylan e a ter daquelas conversas dissertativas sobre os anos 60 e as suas consequências; mudou alguma coisa, não mudou e o quê?

Gostava de ter vivido numa época como os anos 60 nos EUA e França ou os anos 70 em Portugal. Bem ou mal, com méritos e excessos, a verdade é que as pessoas acreditavam em algo, lutavam por alguma coisa, democracia, paz, igualdade, direitos humanos, seja o que for, mas sentia-se que o mundo como o conhecemos podia ser mudado, e que estava nas mãos das pessoas o poder de o mudar.
Hoje ninguém acredita em nada. Em Portugal vive-se um clima cinzento, abatido, mediocre. Sente-se que tudo está, no geral, errado, mas que nada é, no geral corrigível. Pior, sente-se que não temos nada a ver com a solução (uma vez mais vaga) para os problemas que se abatem sobre o país, que quer a culpa quer a responsabilidade de os resolver está nos outros, em alguem indistinto (politicos, economistas, futebolistas?) que não têm nem a capacidade nem a vontade de os resolver. Pensa-se pequeno, vive-se pequeno, sem aspirações e sem sonhos. Não temos o poder de mudar, a obrigação de mudar, apenas o direito a um queixume sem fim, mas também sem propósito. Alguém sabe realmente o que quer ver mudado? Mais "direitos", mais "justiça social", chavões vazios que traduzem apenas um mal estar generalizado.

Nada é feito sem cada um de nós. Nada muda sem cada um de nós. Não existe um Portugal externo a mim, vazio, oco, com más notas a matemática, com salários congelados, com uma classe política medíocre. Portugal sou eu e a minha mulher, o meu pai, a minha mãe, o meu vizinho e o vizinho dele. Portugal somos todos nós. Se o país está mal, se é cinzento, feio, fechado a culpa é minha, de todos nós, de cada um de nós e está nas mãos de cada um de nós o poder de o mudar. Não é só com o voto, é com cada dia, cada passo, cada gesto, Portugal existe para lá da Superliga, da Maddie e do défice, existe nas manhãs, nas tarde e noites que vivo e respiro.

Sem nunca esquecer, Abril de 74, Maio de 68 pode ser, deve ser Novembro de 07, Janeiro de 08, Agosto de 09, sem esquerdas, sem direitas, mas com ideias, com mudança.

Está e sempre esteve nas nossas mãos.

4 comentários:

laura disse...

Estás a alinhavar o teu discurso para te candidatares à Câmara de Lisboa? :))))
Eu voto em ti. Afinal, não é difícil comprares o meu voto. Basta dares-me um cafézito Nespresso de vez em quando e umas sandes de presunto ;)))))

polegar disse...

muitas vezes digo que me surpreendem as pessoas: tanta razão de queixa, tanto motivo para mudar, para exigir alterações. e no entanto, a dormência.
chateia-me a incapacidade de as pessoas se unirem, chateia-me o conformismo e a mania de que só interessa o umbigo de cada um... porquê darmo-nos ao trabalho...
muitos se queixam de serem "um contra a maré", de ninguém se lhes juntar. mas a capacidade de as pessoas se associarem é invariavelmente minada pelos interesses pessoais, uma vírgula ao lado, "mas e eu"...

gosto de mobilizar as pessoas em torno de objectivos comuns, pequenas coisas sem aspirações tremendas, mas que dariam a sensação de dever cumprido. mas já muitas vezes me deixaram pendurada. o que não percebem é que se deixam pendurados a eles mesmos.

a resistência já não é a que era e não encontro nas pessoas de agora a vontade de antes. acho que foram todas compradas, com os créditos, as casas, as roupas de marca, os carros...
uma coisa é aquilo a que temos direito, outra coisa é vendermo-nos por isso, e até vingarmo-nos do mundo inteiro por não termos isto ou aquilo.

são fases, talvez sejam gerações. compreendo o que dizes. também por vezes me sinto fora da minha época...

Raquel Alão disse...

Ui... Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Ele há camisolas que não visto. Nem a do contentamento descontente e certamente que não a do mea culpa.

Eu faço o que faço a cada dia e isso tem o resultado possível dentro da esfera de influência das atitudes e acções que tomo. Eu tenho mãos livres e outras amarradas e é nessa realidade que intervenho. Com todas as possibilidades e todas as limitações.

Também não tenho ilusões quanto ao cinzentismo vigente. Era assim antes do 25 de Abril e andou camuflado durante algum tempo depois da revolução. Então, como agora, acredito também que há quem se disponha a lutar por aquilo em que acredita, mas, na aparente falência de tudo o que nos precedeu não há muitos que encontrem pelo que lutar... E, por favor, com ideias maduras e mudanças bem pensadas.

MPR disse...

Sim, mas a verdade é que vejo muita queixa e pouca acção. Com todas as limitações que cada um de nós tem, as coisas à nossa volta só mudam se nós as mudarmos. Seja isso à escala da familia, do bairro, da cidade, do país. Hoje em dia vejo muito pouca mudança mesmo ao nivel mais pequeno, individual. Há um fatalismo que tomou conta.