sexta-feira, maio 11, 2007

Inland Empire

Se desenharmos uma linha deste Eraserhead, passando por Blue Velvet, Wild at Heart, Lost Highway e Mulholland Dr., vemos que este Inland Empire é a conclusão de um percurso que David Lynch tem vindo a traçar desde o seu primeiro filme. Que conclusão é essa? O desaparecimento da narrativa convencional e a submersão num mundo surreal, num pesadelo abstracto onde tempo, espaço e personagem deixam de ter sentido. Todas as artes deram já este passo, da pintura, à escultura, à dança, mas o cinema continua a manter-se num rumo descritivo, narrativo, sendo as variações feitas dentro do tempo e forma dessa narração, existem questões estéticas, artísticas, mas sempre dentro da permissa que existe uma história para contar. Pois em Inland Empire não existe uma história, existe uma trip visual, um delírio fantasmagórico que assombra a mente de Lynch. Para o salto final para o lado de lá, Lynch escolheu filmar em video, o que é curioso, pois tem sido este meio o grande percurssor das experiências não narrativas.

O problema quando se desconstroi algo desta forma é que se não tem pontos de comparação e, como tal, sentimo-nos perdidos ao olhar para o ecrã. São emoções cruas, são visões, sonhos. Existe uma ténue linha condutora - uma actriz que, ao fazer um filme, perde a noção entre a sua vida e a vida do seu personagem, entre passado, presente e futuro, entre verdade e ficção - mas essa linha é demasiado esbatida para que nos suporte. Resta-nos aproveitar a viagem e absorvê-la o melhor possivel, deixando as intrepretações para depois.
Esta escolha dá um ar de tanto-faz. O filme acaba ali. Podia ter acabado antes? Sim. Se em vez daquela cena fosse outro era igual? Não. É o mesmo que dizer que num quadro abstracto se podia ter feito riscos e traços de outra cor, noutra direcção e que valia o mesmo. Não valia. Podia-se fazer, mas era outro quadro. Aliás o que ideia é essa de poder? Numa narrativa convencional também se pode mudar o que se quiser, imaginar o que se quiser, escrever o que se quiser, apenas de forma mais formatada e com regras facilmente reconheciveis.

Se gostei do filme? Sinceramente não sei. Gostei da experiência de o ter visto. Todo o cinema deve ser assim? Não, mas há lugar para experiências limite. Quanto mais não seja porque as imagens tenebrosas que Lynch nos mostra estão carregadas de sentido, de terror, de dúvida e de sensações quase físicas.
Abram a mente e tentem, sem reservas nem expectativas. É sem dúvida uma experiência única.

1 comentário:

Ander disse...

parece-me que gostaste do filme. Pelo menos aproveitaste o que ele tem para te dar, e isso é gostar de um filme.