terça-feira, setembro 05, 2006

Sexta à noite, ensaio com público. A peça baseava-se num livro que tinha partido de um blog: Cartas a Mónica. Primeiro problema - encontrar o local, Alfornelos não é a minha zona, mas felizmente fui munido de um mapa que se revelou... inútil. Sorte ir acompanhado de quem possui um bom sentido de orientação e que já passou algum tempo por aquelas bandas.
Chegámos. Entre amigos e convidados talvez fossemos vinte pessoas, razoável para uma sala que tem setenta lugares. Juntámo-nos ao autor do livro (e do blog, mas não da adaptação teatral), à namorada e a um amigo que começa agora nas lides da realização de cinema e que vai fazer um vídeo que será projectado na versão final da peça. O bar era simpático, o atraso passou sem problemas ajudado pela conversa agradável.
O Teatro Passagem de Nível, pelo que percebi, existe desde 1981, mas esta peça é feita quase na sua totalidade por estreantes. Foi um acto corajoso adaptar estes textos a palco, e à primeira vista tudo parecia bem encaminhado. Conseguiram construir uma narrativa coerente, não se alongaram em demasia, tinham os papéis decorados e repetidos, o cenário era simples mas eficaz, com pormenores interessantes. No entanto os actores falharam redondamente. Sem um pingo de emoção, monocórdicos, repetitivos, completamente perdidos, com uma prestação capaz de arrepiar, não conheciam os seus personagens, moviam-se como se tivessem cordas e fossem comandados de fora. Tudo era forçado, desinspirado, mau. O texto, carregado de emoção, de variações, de sentimento, foi totalmente desaproveitado, assassinado mesmo.
No final mesa redonda para discutir a peça. Colocaram-se os intervenientes em palco, como se aguardassem por um pelotão de fuzilamento. Dada a sugestão, mudámo-nos para o bar, onde o clima era outro e o ambiente muito mais fresco (o calor da sala era quase insuportável).
O grupo é sem dúvida esforçado e tentámos não ser demasiado crueis. As críticas e sugestões sucederam-se, a conversa acabou por ser mais fluida do que pensei, e as honras da casa ficaram-se pela minha amiga e por mim. Falámos muito, explicámos o que pudemos, tentámos ajudar. No final, vieram agradecer-nos por aquilo que dissemos. Foi uma sensação estranha alguem vir dizer obrigado depois de estarem mais de uma hora a ouvir dizer mal de um trabalho que já tem 10 meses.
Têm uma semana para corrigir... precisavam começar de novo, precisavam de um curso inteiro com um bom professor e mesmo assim não garanto. Precisavam de ultrapassar as barreiras, a fobia do corpo e do contacto, estudar o personagem, entrar em contacto com uma emotividade ausente e deixar fluir. Mesmo assim não sei como evoluiriam, na verdade, ao contrário do que por vezes se pensa, nem toda a gente consegue ser actor.

2 comentários:

polegar disse...

quando a paixão é grande, a conversa é longa.
os olhares espantados quando se diz "não senti a tua raiva". depois a explicação: gritaste, mas não sentiste.
um actor canastrão que em vez de estar apaixonado, dormente, dorido, ciumento, violado, é só sobrancelhas e suor. para ele, a pior das metáforas: "tens de pisar os teus tomates". para as outras é o "murro no estômago". o "compreende o que estás a dizer, a fase da vida em que a tua personagem está". bolas, as palavras estão lá, mas precisam de vida!
todas com medo do toque. com medo dele. com medo do próprio corpo. como é possível depois de tantos meses de convivência ainda não estarem num mínimo de confiança. qual é o degrau blindado que os priva de se tocarem sem tanta inibição? como se exprime paixão rígido num sofá?
para todos: sintam. respirem as palavras. tornem-nas vossas. se for a vossa verdade nós acreditamos. e é o público que tem de acreditar.
ficou a vontade secreta de meter o nariz e ir lá fazer-lhes exercícios daqueles em que acabamos sempre a chorar e a suar e já sem medo do abraço. para perceberem os fantasmas, as almas secretas, as histórias e o segredo que é não haver segredos no toque.
ficou a vontade secreta de ter aquele texto para defender.
não, nem toda a gente consegue ser actor.

obrigada pela companhia
e por não me deixares sozinha na linha da frente, com o outro escondido a fazer "csss csss"! ;)

pinky disse...

espero bem que consigam, era um pecado estragar aqueles textos maravilhosos...