O miudo do cão agora anda no metro - foi a primeira coisa que pensei quando o vi, calças ruças, camisa de fora e aquele cachorro pendurado no ombro enquanto segurava um balde, improvisado com um cordel e uma garrafa de plástico cortada, na boca. O acordeão soava da mesma forma, rude, desengonçada, mas de quem já tem alguma experiência nas mãos. Ele já não é um miudo e o cachorro já não é um cachorro, ambos apenas pequenos de estatura. Olhando melhor o cão já não é o mesmo, o pêlo maior e mais lustroso e as patas menos firmes denunciam-no, é o fiel depositário das esmolas, mas não denota a segurança nos ombros do dono.
Lembro-me agora que nem ainda há dois dias o tinha visto no chão da Rua Augusta, sorriso firme no rosto, rodeado de outros miudos, cada um deles com o seu cão nos ombros e o seu acordeão nos braços. Ganhou seguidores, o fiel amigo de quatro patas derrete corações e as cópias tornam-se inevitáveis, é a crua lei da oferta e da procura. Vendo bem se calhar não era o miudo que agora deambulava no metro, mas sim algum da sua falange de adeptos, que resolveu, ou foi forçado a seguir esta vida.
Aquele que conhecia, o eterno da Rua Augusta, tinha um ar vivo, esperto, um olhar terno e sorria como se fosse feliz, sentado no chão, na calçada, a tocar notas um pouco desencontradas para uma plateia que olhava enternecida para um cachorro, empoleirado muito quieto no ombro, como o papagaio de um qualquer pirata de perna de pau, das histórias encantadas que ele ainda tinha idade para ouvir...
5 comentários:
que sonhas, menino? toca-os para mim...
:( tb já reparei em tais personagens...tristes, tristes...
mas que bela combinação de texto e e imagem :) com que então a usar fotos da nossa fotógrafa preferida, hein? ;)
gosto do senhor cego que, na rua augusta, toca uns acordes de uma música popular, e que não passa dali... e do senhor barbudo com os cães brancos...
Também já vi esse miúdo, agora bem mais crescido e sem aquele olhar meigo... é triste, muito triste. Sobretudo se pensarmos que enquanto crianças nos queixávamos quando os nossos pais não nos davam qualquer coisa e estes coitados andam o dia todo a calcorrear Lisboa para ganhar uns trocos e, provavelmente, ainda chegam a casa e levam uma sova
um novo gang á boa moda de dickens......
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